domingo, 15 de junho de 2008

*Problema ético: Angra 3

Running title: Angra 3

Palavras chave: Angra 3, usina nuclear, vantagens e desvantagens

Key words: Angra 3, nuclear power plant, advantages and disadvantages


Resumo:
Este trabalho tem por finalidade a reflexão de todos nós, seres humanos, que estamos sempre em busca de um desenvolvimento, crescimento coletivo, sem se preocupar com as graves consequências que esse passo irá causar. Para onde a ganância, o egocentrismo humano e o buscar de novas tecnológias sem a definição clara de uma meta, irá levar a humanidade?


Abstract:
This work aims to reflect all of us, human beings, we are always in search of a development, collective growth, without worrying about the serious consequences that this step will cause. Where does greed, the human egocentrism and look for new technological without a clear definition of a goal, will lead to humanity?

Introdução

Angra 3 é a terceira das usinas nuclerares que deu origem ao Central Nuclear Almirante Álvaro Alberto e que esta em fase de instalação. Ela terá reator idêntico ao de Angra 2, de Água Leve Pressurizada (Pressurized Water Reactor), potência de 1.350 MW, e projeto da Siemens/KWU.

As Usinas Nucleares mais conhecidas como Bombas-Relógio foram o resultado de uma precipitação da ciência. Lançadas como a solução definitiva da fonte de energia, demonstraram depois que trazem mais malefícios do que vantagens.

Depois do acidente em Chernobyl, percebeu-se o perigo que são e estão sendo desativadas rapidamente no mundo todo. A humanidade é meio lerda para certos assuntos. As bombas atômicas atiradas nas cidades de Hiroshima e Nagazaki em 1945, onde foram covardemente assassinados quase 200.000 civis e deixaram outros tantos aleijados e com câncer, não foi suficiente para os cientistas perceberam que a energia atômica não era uma coisa segura. Muitos países saíram construindo usinas nucleares.

Mas, felizmente, alguns governos perceberam o erro e estão tratando de desativar rapidamente suas bombas relógios.

Mesmo assim, alguns países dependem quase que exclusivamente desse tipo de usina. Na França, por exemplo, cerca de 80% de toda energia elétrica produzida é de origem nuclear. No Japão é pior, chega a 90%.

Os países que não têm recursos hídricos nem petrolíferos não têm outra alternativa. Necessitam descobrir um novo processo nuclear seguro. Caso contrário terão que fechar as portas.

O projeto Angra 3 tem várias vantagens, que o tornam um dos mais importantes investimentos do setor elétrico brasileiro. - Aspectos Energéticos e Elétricos:

• Alta taxa de geração de energia elétrica com confiabilidade: aproximadamente 10 TWh/ano;

• Aumento da base térmica do sistema elétrico interligado, contribuindo para a diversificação da matriz energética nacional e reduzindo riscos de déficit de energia elétrica, principalmente por ocasião de regimes hidrológicos menos favoráveis;

• Ampliação da capacidade de geração em uma região historicamente importadora de energia elétrica, com conseqüente redução da necessidade de investimentos em transmissão;

• Melhor desempenho do sistema interligado de transmissão de energia elétrica, com a redução do seu carregamento, devido ao aumento do porte do parque gerador local;

• Localização privilegiada, próxima a grandes centros consumidores (cidades de São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte);

• Melhoria da confiabilidade do suprimento para as regiões do Rio de Janeiro e do Espírito Santo.

• Desde o início de sua operação, gerar toda a sua disponibilidade, ao contrário das usinas hidroelétricas, que levam um longo tempo na fase de motorização, quando o número de unidades geradoras é elevado. - Aspectos Ambientais:

• Não emissão de gases ou partículas causadores do efeito estufa, de chuva ácida, de poluição urbana ou de alteração na camada de ozônio;

• Não emissão de materiais particulados e metais cancerígenos e mutagênicos (arsênio, mercúrio, chumbo, cádmio etc.);

• Não há impactos ambientais decorrentes do alagamento de grandes áreas.

• Propicia o incremento do conjunto de medidas compensatórias, que já vêm sendo realizadas na região de Angra dos Reis, a serem definidas no processo de aprovação do Licenciamento Ambiental. - Aspectos Econômicos:

• Aumento de encomendas de componentes na Nuclep (fábrica de equipamentos pesados, criada no âmbito do Acordo Nuclear Brasil-Alemanha, localizada em Itaguaí, RJ);

• Aumento de encomendas em fabricantes e fornecedores de bens e serviços nacionais, com a conseqüente criação de empregos;

• Custos de geração compatíveis com as demais opções de geração.

• A sua retirada do programa, no horizonte decenal, exigiria a inclusão de usinas térmicas a gás natural, que não seria uma solução adequada, em função das dificuldades da garantia do suprimento do combustível, a perspectiva de elevação do seu custo e a dependência energética do país da importação do gás natural. - Aspectos do Ciclo do Combustível Nuclear:

• Aumento da receita proveniente da venda de combustível nuclear, contribuindo para a economia de escala da Indústrias Nucleares do Brasil S.A.–INB, fabricante do combustível nuclear;

• Completa nacionalização do combustível nuclear, com a utilização do processo industrial de enriquecimento isotópico por ultracentrifugação, desenvolvido de forma pioneira pela Marinha do Brasil;

• Utilização de combustível nacional – urânio, existente e beneficiado no país, fazendo uso de suas reservas que são a 6ª maior do mundo, sem as implicações necessitar de suprimento externo. - Aspectos Industriais e Tecnológicos:

• Consolidação de uma tecnologia de ponta, com elevado conteúdo estratégico;

• Aproveitamento e não dispersão de valioso capital humano, altamente especializado e formado durante a implantação do Programa Nuclear Brasileiro;

• Fortalecimento do sistema de ciência e tecnologia existente, através de programas conjuntos e consultorias específicas em universidades e centros de pesquisas, com criação de demanda para a formação e a qualificação profissional com um programa de tecnologia multidisciplinar;

• Fortalecimento da indústria nacional como fornecedora de equipamentos de alta tecnologia, aumentando o seu poder de competição no mercado internacional;

• Aumento da massa crítica de conhecimentos no setor nuclear brasileiro, permitindo futuras propostas de programas de centrais de menor porte para regiões que não disponham de potencial hidráulico competitivo;

• Geração e consolidação de empregos qualificados na indústria, em empresas projetistas e centros de pesquisas. - Aspectos Regionais na Área de Influência da Central Nuclear:

• Incremento na arrecadação de impostos e nas atividades econômicas regionais;

• Investimento de 2% do valor do empreendimento na adoção de Unidades de Conservação Ambiental;

• Desenvolvimento e melhoria da infra-estrutura local e regional, através da implementação dos programas compensatórios acordados especificamente para a implantação do empreendimento, incluindo a melhoria da rede rodoviária, implantação de hospital regional e treinamento de pessoal das administrações municipais;

• Oportunidade de criação de cerca de 5.000 postos diretos e 10.000 indiretos de trabalho durante a construção da Usina (esse quantitativo poderá aumentar em situações de pico). Já na fase de operação de Angra 3, estima-se que serão criados cerca de 600 empregos diretos permanentes.

• Consolidação da política de implementação de parcerias regionais entre a Eletronuclear e os municípios vizinhos, nas áreas de saúde, educação, saneamento, infra-estrutura, preservação ambiental, cultura e patrimônio histórico.

Descrição de empreendimento

O PDEEE 2006-2015 – Plano Decenal de Expansão de Energia Elétrica do MME – prevê, a depender do crescimento econômico do país, a necessidade de expandir o parque gerador nacional entre 2.000 a 3.0000 MW/ano. Este mesmo Plano planeja que Angra 3 deverá entrar em operação em dezembro de 2012. Este mesmo Plano planeja que Angra 3 deverá entrar em operação em dezembro de 2012. A Usina Angra 3 tem possibilidade de entrar em serviço em seis anos e meio, atendendo às necessidades do Sistema Elétrico Nacional e do PDEEE 2006-2015, contribuindo para a diversificação de suas fontes primárias – estratégia governamental e tendência internacional que dão segurança ao fornecimento de energia elétrica ao país. Por outro lado, o leilão de energia "nova" realizado em 10 de outubro de 2006 provou que o preço projetado pelo MME para o MWh a ser produzido por Angra 3 é competitivo. O preço médio das usinas térmicas vencedoras do leilão para contratos a serem iniciados em 2011 alcançou R$ 137,44/MWh – uma tarifa semelhante àquela reavaliada pelo MME, em janeiro de 2006, como a de equilíbrio para a Usina Angra 3 (R$ 138,14/MWh). Isso torna o empreendimento competitivo dentro da política de busca de modicidade tarifária, associada à segurança de abastecimento, o que requer um mix de fontes que otimize simultaneamente estes dois objetivos que o Governo Federal vem priorizando.

Projeto polêmico, tem em seus defensores o argumento de que já foram gastos US$ 750 milhões na obra, quantia que será desperdiçada, caso se rejeite a conclusão do projeto. De acordo com o caderno Opinião, do jornal Folha de São Paulo de 17 de junho de 2006, em artigo assinado por JOAQUIM F. DE CARVALHO, 70, mestre em engenharia nuclear, diretor da Nuclen (atual Eletronuclear), cálculos feitos por técnicos do Operador Nacional do Sistema indicam que o custo marginal médio para a expansão do sistema hidrelétrico é de aproximadamente R$ 80/MWh, enquanto o custo de geração de Angra 3 está em torno de R$ 144/MWh. Aproximadamente 60% dos materiais para a construção desta estação de geração nuclear foi adquirida juntamente como a compra dos materias de Angra 2.

Parecer Técnico

O Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) é o órgão responsável pela decisão sobre a construção da terceira usina nuclear no Brasil, Angra 3. Presidido pelo ministro de Minas e Energia, Silas Rondeau, o CNPE é composto por um representante da sociedade civil, Euclides Scalco, um representante das universidades, José Goldemberg, um representante dos Estados, Mauro Arce, e pelos ministros da Ciência e Tecnologia, Sergio Rezende, Planejamento, Paulo Bernardo, Fazenda, Antônio Palocci, Indústria e Comércio, Luiz Furlan, e Meio Ambiente, Marina Silva, além do chefe da Casa Civil, Dilma Roussef.

Em setembro de 2002, o CNPE autorizou a Eletronuclear, empresa estatal que pleiteia a construção de Angra 3, a iniciar o licenciamento ambiental, o debate sobre a armazenagem dos rejeitos radioativos e o equacionamento econômico-financeiro da proposta. A decisão final sobre Angra 3 será tomada ainda este ano, na próxima reunião do CNPE.

O Greenpeace tem trabalhado para demonstrar que é possível atender às necessidades crescentes da população e estender a eletrificação aos mais distantes rincões do país através de fontes de energia renováveis.


Escolha energia renovável

O Greenpeace tem em suas raízes a oposição à energia nuclear, seja ela para os alegados "fins pacíficos", seja para armamentos. A organização surgiu em 1971 através da ação de um grupo que pretendia mostrar a sua rejeição aos testes com bombas nucleares que eram realizados no Pacífico. No Brasil, desde a sua chegada em 1992, o Greenpeace tem se manifestado contra a energia nuclear, escolhendo como alvo de sua primeira ação no país a Central de Angra dos Reis.

Se por um lado, o "apagão" de 2001 ressuscitou o ultrapassado projeto nuclear brasileiro, por outro lado demonstrou que é possível criar uma nova matriz energética para o país, contemplando a redução de desperdícios e privilegiando a geração de energia a partir de fontes limpas, renováveis, economicamente viáveis e socialmente justas.

Boa parte dos brasileiros ainda não recebe eletricidade em suas casas. Cerca de 40% das escolas em zonas rurais não possui luz elétrica. Imensas áreas no Norte e no Centro-Oeste do país não são atendidas pela rede de distribuição de energia. O Brasil precisa rever a sua maneira de gerar energia e o CNPE poderá desempenhar um papel importante nessa mudança, optando por abandonar de vez velhas propostas e por viabilizar formas de energia modernas, seguras e limpas.

Conclusão

O Partido Verde e o Greenpeace entraram na Justiça Federal em Angra dos Reis, no Rio, com uma ação civil pública e pedido de liminar contra a União, a Eletronuclear, o Ibama e a Fundação Estadual de Engenharia do Meio Ambiente do Rio de Janeiro (Feema). As entidades acusam a construção de Angra 3 de ilegal e inconstitucional. Em Brasília, as organizações entrarão com a solicitação de um mandado de segurança, com pedido liminar, contra a Resolução 3 do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), que determinou a retomada das obras da usina nuclear em agosto passado.

Em entrevista coletiva, convocada pelo deputado Edson Duarte (PV/BA), o PV tratou de informar a imprensa que o deputado baiano, juntamente com a organização Greenpeace, promoverá ações contra a retomada da construção da usina. O deputado federal José Paulo Tóffano (PV/SP), vice-líder do Partido Verde na Câmara dos Deputados, também participou da entrevista. Uma das ilegalidades constatadas pelos parlamentares Verdes refere-se a questão do decreto nº 75.870, de 13/06/75, que autorizava a construção de novas usinas nucleares, não estar mais em vigor, já que foi revogado por outro Decreto s/n, de 15 de fevereiro de 1991. Este fato levou a uma ação na Justiça Federal.

A insistência dos órgãos governamentais ELETRONUCLEAR e ELETROBRÁS de manter a validade da licitação para a construção da usina, ocorrida há 20 anos e que se baseava no texto do Decreto 75.870, da qual saiu vencedora a Construtura Andrade Gutierrez, foi outra irregularidade apontada durante a coletiva, já que o cenário hoje seria bem diferente daquele que se apresentava à época e haveria, então, a necessidade da reavaliação de valores, tecnologia e capacidade operacional da empresa. Este fato levou a uma ação na Justiça Federal em Angra dos Reis.

Por último, o fato do governo federal gastar 8 bilhões de reais numa construção que não está autorizada legal ou constitucionalmente, pois conforme disposto nos artigos 21, 49 e 225 da Constituição Federal, a construção de usinas nucleares como Angra 3 deve passar, obrigatoriamente, pela discussão e aprovação do Congresso Nacional, é uma temeridade. É grande o risco da obra ser embargada e desses recursos serem perdidos, sem nenhuma possibilidade de ressarcimento aos cofres públicos. Neste caso, coube uma Representação junto ao TCU (Tribunal de Contas da União).

O vice-líder do PV na Câmara comentou que as ações que serão tomadas foram baseadas em parecer escrito pelo jurista e professor José Afonso da Silva, à pedido do Greenpeace e que, como presidente da Comissão de Desenvolvimento Regional Sustentável, Ordenamento Territorial, Habitação, Saúde, Meio Ambiente e Turismo do Parlamento do Mercosul, levará o assunto para ser discutido em conjunto com os outros países membros daquele Parlamento por entender que a questão energética transcende as fronteiras nacionais.

*Meio Ambiente e os Interesses comerciais

Luciana Togeiro


"Não basta chegar lá, entrar numa posição de confronto e se recusar. Não está sendo eficaz. Tem que ser pragmático. O reconhecimento inevitável do pragmático é você perceber que a coisa está em curso e o que você tem a fazer é se posicionar da forma mais estratégica para os interesses econômicos e ambientais do país."

Aprovada em novembro de 2001 pela 4ª Conferência Ministerial da OMC - Organização Mundial do Comércio, a nova rodada de liberalização multilateral imprimiu as questões estão sendo discutidas entre os mais de 140 membros da organização. Nos principais temas da DOHA estão os itens: Implementação; Agricultura; Serviços; Acesso a Mercados de Produtos Não Agrícolas; TRIPs (Acordo de Direitos de Comércio Relacionados à Propriedade Intelectual); Política de Competição; Investimentos; Transparência; Regras; Comércio e Meio- Ambiente; Entendimento de solução de disputas; Economias Pequenas; Comércio Eletrônico; Comércio, Dívida e Financiamento; Comércio e Transferência de Tecnologia; Cooperação Técnica e Capacitação; Países Menos Desenvolvidos.

Em entrevista concedida durante o evento promovido pela Petrobras "Economia e Sustentabilidade", que ocorreu nos dias 21 e 22 de novembro deste ano, em Porto Alegre, RS, a Coordenadora do Curso de Graduação em Economia da UNESP, Luciana Togeiro de Almeida, falou um pouco sobre algumas questões importantes, entre elas, a Agenda DOHA, o livre comércio e as polêmicas discussões que envolvem a integração entre interesses comerciais e ambientais.

A Agenda Doha

LT: A Agenda DOHA são as negociações comerciais no âmbito da OMC e tiveram início em novembro do ano passado(2001). Nessa Rodada DOHA tem uma pauta geral de negociações sobre temas que vão desde a implementação efetiva de acordos já firmados na rodada anterior que foi a Rodada Uruguai(Uruguay Round - 1986/1994). Havia uma queixa, principalmente de países em desenvolvimento, de que acordos da Rodada Uruguai não foram efetivamente implementados. Então tem um item na pauta da DOHA que é o de reforçar os mecanismos de implementação de acordos já firmados. E tem outros itens que são revisão do acordo de agricultura, de eliminação de subsídios - que interessa muito para o Brasil e que é o tema, pode-se dizer, mais destacado que o Itamaraty está dedicado. E tem a discussão ambiental, que aparece de forma explicitamente anunciada em (naqueles) três parágrafos. Mas o tema ambiente, você tem interface com ele em vários outros itens constantes da pauta.

A questão do meio ambiente a mercê dos interesses comerciais

LT: A discussão que normalmente se levanta é se a OMC é um fórum que deve ser privilegiado para impor compromissos ambientais. Se isso deve ser feito e obviamente a questão relacionada a isso é : interessa para países em desenvolvimento, para o Brasil, que o tema ambiental seja tratado no âmbito da OMC? E, caso ele seja tratado, quais as melhores formas de tratamento, que sejam compatíveis com interesses estratégicos de países em desenvolvimento?

A queixa do movimento ambientalista é essa. Que na OMC sempre falam mais alto os interesses econômicos e comerciais em detrimento da causa ambiental.

Falando de forma bem simplificada, o que eles dizem é que a OMC é um órgão dedicado a missão do livre comércio internacional e as experiências dos países que promoveram abertura comercial plena são experiências que evidenciam que piorou a situação ambiental. Os estudos empíricos que algumas ONGs - Organizações não- governamentais importantes encomendaram apresentam esse resultado. Que a abertura dos países não leva a solução dos problemas ambientais. O pensamento mais liberal diz: a abertura econômica gera eficiência econômica, ganhos de produtividade, ganhos de competitividade. Inclusive é uma abertura limpa, que leva a uma melhoria da situação ambiental. Mas tem um lado que é a crítica do movimento ambientalista.

Quando você fala em movimento ambientalista...

LT: Quando eu falo em movimento ambientalista, eu estou me referindo a algumas ONGs importantes. A intenção nem é citar nomes. Eu quero falar desse movimento mais organizado e mais agressivo. Então, essa leitura deles, com relação ao livre comércio, eu também assino embaixo. Realmente, já está bastante evidente que o livre comércio não é a solução econômica, ambiental ou muito menos social para os países. O aumento da interdependência das economias nacionais com a economia internacional, ele automaticamente não leva a ganhos econômicos, ambientais e sociais.

A idéia é a seguinte: como o livre comércio não garante a solução, então a gente tem que fazer com que se faça restrições ao livre comércio, restrições comerciais.

Então, o movimento ambientalista, esse que eu estou me referindo, em geral, acredita que a imposição de restrições comerciais é um caminho acertado para avançar os compromissos ambientais em países em desenvolvimento ou daqueles países avançados entre eles também.

Mas , pensando nessa relação norte- sul, seria dar o aval para que sejam aprovados na OMC restrições ao livre comércio internacional. Ou seja, permitir o uso de barreiras comerciais motivadas por questões ambientais, o que já ocorre, mas muitos ambientalistas ainda acham pouco, e se queixam que a OMC até agora foi muito reticente em dar apoio a causa ambiental e continua favorecendo muito mais interesses econômicos e comerciais, passando por cima da causa ambiental.

E o que você acha?

LT: Eu acho que não, eu acho que já avançou, aliás é compatível com a leitura que o Eric Neumayer - Diretor de Meio Ambiente e Desenvolvimento da Escola de Economia de Londres fez (referindo-se a palestra ministrada pelo diretor no mesmo evento "Economia e Sustentabilidade", promovido em Porto Alegre em novembro/02), de que a OMC tem se inclinado cada vez mais a oferecer regras compatíveis com as demandas ambientais. "Environment friendly rules", ele usou essa expressão. Então, há uma tendência da OMC acomodar um pouco essa pressão do movimento ambientalista e de interesses de Governos de países avançados, para que suas regras sejam aprimoradas para as reivindicações ambientais. Já a leitura dos países em desenvolvimento é que essa vinculação é sempre problemática para nações em crescimento como o Brasil, é a leitura do Itamaraty. Qual é a posição diplomática brasileira frente a esta tendência de mesclar a negociação comercial com a ambiental? Eles sempre foram contrários a isso. É sempre em leitura de que isso é em detrimento dos interesses do país. Não nos interessa participar de negociações internacionais vinculando os dois termos. A minha leitura é que os dois termos vêm sendo integrados, a interação já está ocorrendo, essa agenda conjunta já está existindo.

Quando você fala em restrições comerciais, poderia exemplificar que tipo de restrições?

LT: Restrições comerciais com propósitos ambientais, de forma a permitir aos países o direito de colocar uma veto, uma proibição de importação de uma mercadoria exportada pelo Brasil ou por qualquer outra economia em desenvolvimento. Ou até entre eles, alegando a necessidade de uma adequação do processo produtivo daquela mercadoria, que aquela mercadoria não é produzida com padrão de emissão que já é o aprovado na legislação ambiental do país importador da mercadoria.

Então, você colocar uma medida comercial, uma restrição comercial alegando um problema ambiental, um problema ambiental relacionado ao processo produtivo e até relacionado ao produto final. Por exemplo, um produto final contendo, vamos supor, flúor. Se ele for consumido pelos meus consumidores internos isso vai gerar um problema de saúde pública, talvez gerar um dano ambiental quando for consumido internamente no país. Já tem vários casos de conflitos comerciais registrados, no GATS (Acordo Geral de Comércio e Serviços), na OMC, motivados por questões ambientais, em que o país colocou um veto comercial alegando inadequação ambiental da mercadoria. Então o país importador restringiu o acesso daquela mercadoria no seu mercado alegando problemas ambientais.

Pode ocorrer algum tipo de conflito entre as decisões que foram acertadas em Joannesburgo e as decisões da Agenda DOHA?

LT: Não é o caso porque praticamente não se acertou muita coisa em Joannesburgo, basicamente por isso. Então, do que foi acertado em Joannesburgo, talvez o compromisso com o reforço à questão da biodiversidade, que é um tema pendente para a OMC lidar e que significa a análise de adequação entre o acordo de Direito de Propriedade Intelectual e a Convenção de Diversidade Biológica. O tema é uma área de conflito potencial entre acordos ambientalistas tirados de Joannesburgo, ou reafirmados em Joannesburgo, e o TRIPs - Acordo sobre o Direito de Propriedade Intelectual -, que é um acordo que saiu da Rodada Uruguai, um acordo regulamentado e acompanhado pela OMC. O que o movimento ambientalista quer é que ele seja consistente com os compromissos da CDB- Convenção sobre Diversidade Biológica. Por exemplo, a CDB diz que os Estados de Nação tem soberania na exploração dos seus recursos biológicos e genéticos. Não pode haver, por exemplo, patenteamento por uma empresa estrangeira de uma planta, de um princípio ativo da biodiversidade local, a CDB diz. Primeiro, patenteamento de organismos vivos é uma coisa complicada, existem problemas aí de você estar patenteando organismos vivos; e o TRIPS, pelo texto dele, até permite patenteamento de organismos vivos. Na CDB, a exploração de recursos genéticos tem que dar direito de participação nos lucros para as comunidades nativas locais. Então, se tiver que patentear, que a patente seja em nome da comunidade local e não de uma empresa privada que vai se apropriar daquele conhecimento tradicional que os nativos já dominaram.

Uma última posição sobre a questão do livre comércio e a vinculação do comercial com o ambiental

LT: A idéia é a seguinte: a discussão vinculada comércio / meio ambiente, no plano das negociações internacionais, é polarizada. De um lado, pelo movimento ambientalista que denuncia que o livre comércio traz problemas ambientais e portanto tem que ser criticado. Por isso mesmo é que eles vão lá toda vez que tem conferência da OMC e fazem quase que um fórum paralelo, denunciando que a OMC é a grande vilã da globalização e das questões ambientais. Acontece que, ao mesmo tempo em que eles denunciam que a OMC é a vilã da história, eles querem que a OMC reforce as suas regras, os seus conjuntos de acordos, para incorporar a questão ambiental.

A minha posição é : você é contra os males da globalização e contra os organismos multilaterais que são identificados como os protagonistas, os que operacionalizam as tendências da globalização - a OMC seria um deles -; no entanto, ao mesmo tempo você vai lá e quer que a OMC imprima os seus poderes de disciplinar os seus países membros impondo regras com propósitos ambientais. Isso, à primeira vista, parece ser bom para a causa ambiental, mas pode trazer sérios prejuízos para o desenvolvimento sustentável.

Porquê?

LT: Porque você não pode mirar na causa exclusiva de ganhos ambientais, você tem que ter um enfoque de desenvolvimento sustentável (aliando o econômico, o social e o ambiental). O fato de você vincular esses compromissos no âmbito da OMC pode ser uma disciplina comercial mais deletéria do que favorável à construção do desenvolvimento sustentável de países em desenvolvimento. Então é um discurso meio sinuoso, meio perigoso. Você é contra, é contra mas o que você quer é que a OMC discipline isso para você , que é a minha discordância com o Eric Neumayer. O Eric acha que deve ter um "greening da OMC", isto é, um esverdeamento das negociações comerciais da OMC. Isso é o mesmo que dizer que a Organização Mundial de Comércio deve ampliar os seus poderes disciplinadores de causas ambientais, a OMC que essencialmente é um organismo voltado para disciplinar relações de comércio. Aí você está dizendo: Não, mas tem que disciplinar relações de comércio compatíveis com o meio ambiente. Isso significa estabelecer acordos mais restritivos, e na realidade o meio ambiente tem que ser interpretado amplamente. O que a gente tem que entender é que vai ter a contrapartida, por exemplo, das tecnologias para dar conta destes padrões que eles querem que a gente tenha, então tem que ser uma abordagem mais ampla. Essa percepção de que pode ser um risco para países em desenvolvimento é a que normalmente o Itamaraty tende a apresentar, que é sempre um risco, uma ameaça você vincular as duas questões.

A minha leitura, e de outros também, não é exclusiva minha, é que essa vinculação vem sendo colocada. Já foi colocada na Rodada Uruguai, está na Agenda Doha, está no cronograma de negociações da Alca, e temos que nos posicionar frente a isso. A vinculação entre comércio e meio ambiente e a postura tradicional que era a de recusar a negociação sobre esse tema não adianta mais. O Itamaraty tem que fazer um esforço de ouvir os vários outros segmentos da esfera política, da sociedade, ONGs, para levar uma agenda mais propositiva de negociação. Não basta chegar lá, entrar numa posição de confronto e se recusar. Não está sendo eficaz. Tem que ser pragmático. O reconhecimento inevitável do pragmático é você perceber que a coisa está em curso e o que você tem a fazer é se posicionar da forma mais estratégica para os interesses econômicos e ambientais do país.

Luciana Togeiro de Almeida é Coordenadora do Curso de Graduação em Economia da UNESP e Presidente da Sociedade Brasileira de Economia Ecológica (ECO - ECO).

*Desenvolvimento Sustentável

O desenvolvimento sustentável no Brasil : situação, desafios e possibilidades


Em uma entrevista concedida em novembro último para este boletim, o Secretário do Meio Ambiente do Estado do Rio Grande do Sul, Cláudio Langone, encerrando seus 4 anos de gestão estadual, expõe algumas de suas conclusões sobre a situação da problemática ambiental brasileira, os avanços, os desafios, e as perspectivas da sustentabilidade no novo governo.

A importância da variável ambiental incorporada na estratégia de desenvolvimento

Mesmo o Brasil tendo evoluído no que diz respeito a políticas ambientais, segundo Langone, a incorporação da variável ambiental nas políticas setoriais ainda deixa a desejar, representando, para o secretário, o primeiro grande desafio para o avanço do desenvolvimento sustentável.

- Agora é hora de avançar no sentido do desenvolvimento com sustentabilidade, porque eu acho que o movimento da Rio 92 trouxe um avanço da agenda ambiental, sobretudo no sentido de diminuição de impactos. O problema é que isso não significou a incorporação da variável ambiental no coração da estratégia de desenvolvimento mundial. E aí eu acho que o primeiro grande desafio em termos de sustentabilidade mundial está relacionado a distribuição da riqueza. Não é razoável pensar que a gente tem condições de aumentar de maneira significativa o volume de riquezas produzidas no mundo. O volume de riquezas produzidas no mundo hoje tem condições de sustentar a humanidade, de dar condições de sobrevivência e padrões razoáveis para o ser humano. O que nós vemos é uma desigualdade que aumentou de 1992 para cá; na relação entre os países ricos e pobres e nas relações internas dos países.

- A incorporação da variável ambiental na estratégia de desenvolvimento do país, sobretudo na área de desenvolvimento econômico e na área de infraestrutura, é o grande passo que o país tem que dar. Para fazer isso, você precisa fortalecer o setor ambiental dentro do governo, porque o setor ambiental é quem alimenta essa estratégia. Acontece que o Brasil avançou bastante em termos de políticas ambientais, mas o nível de incorporação da variável ambiental nas políticas setoriais é muito baixo. O setor ambiental, tradicionalmente no Brasil, não se preparou para ter uma relação mais propositiva neste sentido. Ele sabe controlar poluição de indústria, mas não tem capacidade para, no desenho de uma estratégia de desenvolvimento industrial, sentar à mesa com os setores desenvolvimentistas e dizer: Olha, vocês precisam incorporar tais e tais elementos no desenho da estratégia da política industrial brasileira, ou da política energética. Eu acho que esse é o grande salto que nós temos que dar, mas não tenho ilusões de que isso seja um processo que caia do céu, ou que se dê espontaneamente. Eu acho que precisa ter uma diretriz política do Governo, e precisa haver, dentro do Governo, uma estrutura que seja alimentadora desse processo, que, para mim, é o setor ambiental.

A redistribuição da riqueza e os diferentes efeitos da desigualdade

- Não há como você combater a pobreza sem combater a riqueza. Isso significa que é preciso criar mecanismos internacionais de redistribuição da riqueza. Não tem outro jeito. Porque pensar em ampliar o volume de produção de riquezas do mundo significa ampliar ainda mais o comprometimento da capacidade de suporte do planeta. Isso está intimamente ligado à questão da mudança dos padrões. A idéia é buscar padrões de produção e consumo mais racionais, só que isso não é uma discussão abstrata. O fracasso de Joannesburgo não é um fracasso teórico e a falta de avanço na implementação de alguns acordos como o acordo de mudanças climáticas - e seu mecanismo direto de implementação que é o Protocolo de Quioto -, tem reflexos muito fortes na degradação ambiental e nos distintos grupos sociais, que sofrem de maneira diferenciada os efeitos dessa degradação. Não há dúvida de que os grupos minoritários são mais atingidos pela destruição ambiental. Um bom exemplo está no acesso a água. E aí eu penso que um tema que apareceu muito forte em Joannesburgo que foi o da justiça ambiental - a necessidade de democratização do acesso de todas as pessoas aos bens ambientais -, é um elemento muito importante.

- Você hoje tem relações profundamente desiguais nos diferentes grupos sociais em relação aos bens ambientais, ao uso fruto dos bens ambientais. E a questão da água é o tema que chama mais atenção, porque, se você considerar que os bens ambientais são bens públicos, que todos têm direitos iguais a eles você vai ver que, do ponto-de-vista real, nós precisamos avançar muito.

Os mecanismos de legitimação e a relevância do Estado

- As leis são um reflexo da sociedade, porque são representantes da sociedade que as fazem. Eu acho que é fundamental que se tenha mecanismos de legitimação das leis. O processo de discussão de todos os segmentos da sociedade, prévio a elaboração de leis, é essencial para sua implementação depois. Acontece que o Brasil teve um problema na questão ambiental que é o seguinte: nós tivemos, no último período, o aprofundamento de leis fortes que exigem um Estado forte, mas tivemos a execução de políticas de diminuição do tamanho do Estado. Então, lei de Estado máximo para política de Estado mínimo cria uma situação de frustração e as leis ficam leis de gaveta.

- É preciso pensar numa articulação média, que possa dar mais legitimidade para as normativas legais a partir de grandes discussões e grandes consensos, concebendo a idéia de que as leis são mutáveis porque elas são um reflexo de cada sociedade em cada contexto histórico. O que é aceitável hoje na área de meio ambiente pode não ser aceitável daqui há dez anos. Qual é a tolerância que nós temos com relação ao preço a pagar pelo desenvolvimento? A tolerância tem se mostrado cada vez menor na política brasileira, e eu penso que isso é muito bom. Mas eu também acho que houve uma recusa sistemática do último governo em assumir a função de coordenador de um sistema nacional de meio ambiente, onde Estados e municípios têm um protagonismo muito importante. Você pensar hoje em políticas ambientais no Brasil sem os Estados, significa que 70% da execução das políticas está fora do escopo. Porque os Estados atualmente respondem por 70% da execução das políticas. E eu penso que o Ministério do Meio Ambiente e o Governo Federal tem que se preocupar com a execução das políticas da sua competência, isso é muito importante, mas mais importante do que isso é que ele tem que chamar para si - e ele se recusou sistematicamente a isso no último período -, a coordenação do sistema nacional, pois uma grande parte das políticas que podem ser desenvolvidas em nível nacional requerem uma liderança no Governo Federal, do Ministério do Meio Ambiente, do Ibama, enfim. Nós temos no momento uma fragmentação na execução das políticas que não é aceitável, seja pelo choque entre o Governo Federal e os Estados, que ainda nós temos áreas de conflitos; ou seja mesmo na relação Estados / municípios, onde nós temos muitas disparidades. É pretendido que no novo Governo se assuma um protagonismo de liderança em torno da organização e do resgate efetivo dessa idéia de um sistema.

Um exemplo

- As resoluções do CONAMA que envolvem o setor industrial, que são as resoluções pós- consumo. Nós tivemos quatro ou cinco resoluções pós- consumo de 1999 para cá; pneus, pilhas e baterias, lâmpadas fluorescentes, embalagens de agrotóxicos usadas. Não tem como você implementar uma resolução dessas sem ativar os mecanismos do SISNAMA – Sistema Nacional do Meio Ambiente. Por exemplo, pilhas e baterias: você tem uma ou duas fábricas de pilhas e baterias no país que estão localizadas num Estado que exporta para os demais. A legislação pós- consumo responsabiliza o fabricante e os distribuidores. No entanto, o Estado só consegue chegar até o distribuidor. Para ele responsabilizar o fabricante ele tem que ativar o órgão federal que é o Ibama, que pode ir lá no outro Estado e obrigar o fabricante que faça o recolhimento e a reciclagem da pilha e bateria. Então nós temos uma situação de não implementação da maior parte das resoluções do CONAMA aprovadas de 1999 para cá porque o Governo Federal não assume o papel de articulação disso. Não basta aprovar uma resolução do CONAMA, você tem que depois da aprovação discutir os mecanismos de implementação. Não é uma relação unilateral, porque no processo de negociação que levou uma resolução dessa os setores empresariais estiveram envolvidos, então na implementação eles tem que estarem envolvidos. A não - implementação de uma resolução dessa é um desgaste para todo mundo, inclusive para os empreendedores, porque eles participaram do processo negocial. Então eu acho que isso gera uma grande frustração como gerou na questão da destinação das pilhas e baterias, onde se criou para a sociedade uma expectativa de que o Brasil a partir daí iria ter uma destinação adequada, que os fabricantes iriam recolher as pilhas e baterias, e hoje as pessoas não sabem o que fazer com esse material.

Mais responsabilidade aos municípios

- Na minha opinião, o grande passo na estruturação do sistema de meio ambiente no Brasil é em direção aos municípios. É imperativo que os municípios assumam mais responsabilidade nesta área, sobretudo sobre os pequenos e médios empreendimentos, porque se você somar a capacidade institucional de União, Estados e Municípios na área ambiental no Brasil hoje, ela ainda é insuficiente para atender a demanda. Então não tem nenhum sentido para que haja sombreamento, concorrência de competências num sistema desses. Nós ainda temos no Brasil o Ibama fiscalizando poda de arborização urbana em alguns lugares, o que eu não consideraria aceitável que o Estado fizesse, quanto mais o Governo Federal fazer. Eu acredito que essa definição clara de competências é um elemento fundamental para a gente avançar. E, objetivamente, se não tivermos capacidade de avançar, isso irá frustrar a sociedade. Porque a sociedade cobra que o governo implemente as políticas, ela não quer saber se é o governo da União, do Estado ou do município, ela quer resolver o problema.

A valorização excessiva de um único mecanismo e a necessidade de focalizar o todo

- Está na hora de mudarmos um pouco a matriz, a política ambiental brasileira, porque o setor ambiental no Brasil se desenvolveu com um foco urbano- industrial, e muito centrado no licenciamento ambiental de empreendimento a empreendimento, de maneira isolada. Eu acho que deveríamos dar um salto no sentido de equilibrar mais as funções de fiscalização e de regulação pontual, através do licenciamento com maior capacidade de gestão e planejamento estratégico, olhando mais para um escala regional e trabalhando uma agenda mais propositiva, porque o setor ambiental público no Brasil ainda trabalha sobre uma agenda excessivamente reativa, o que significa que ela é respostista. Você trabalha só em uma lógica de usar os instrumentos, principalmente o licenciamento. E como a questão ambiental não está incorporada nos grandes projetos de desenvolvimento econômico e infraestrutura, o setor ambiental acaba sendo um ponto de trava que garante que o projeto incorpore a questão ambiental na fase do licenciamento, só que isso gera muito conflito. O licenciamento ambiental não pode ser absolutizado como único instrumento de controle público.

Um exemplo

- A questão das hidrelétricas. Porquê continuamos avaliando isoladamente cada hidrelétrica numa mesma bacia hidrográfica, se nós temos bacias hidrográficas que têm inventários que apontam que você pode ter 50, 60 hidrelétricas. E aí, se você não olhar para o global, a tomada de decisão pontual pode ser péssima. Ela pode estabelecer uma dinâmica na qual quem chega primeiro vai instalar e quem chega depois não vai instalar, porque objetivamente não há possibilidade. Os elementos que têm que ser olhados não são só os elementos de volume de água para gerar turbina. Você tem que olhar biodiversidade, cobertura florestal, lazer, abastecimento, turismo, etc.. É preciso ir além dessa questão de uma super estimação do licenciamento ambiental, tentar integrar mais os instrumentos de gestão - sobretudo aqueles que são os instrumentos tradicionais de políticas ambientais e de recursos hídricos. A integração entre o sistema de gestão de águas e o sistema ambiental no Brasil é ainda muito incipiente, e é fundamental.

Os Estados e o Desenvolvimento Sustentável

- O Brasil é um dos países federativos com maior autonomia dos entes federativos do mundo, na escala nacional e subnacional , que é a escala dos governos estaduais. A dimensão local e a dimensão subnacional, ela não está representada formalmente nas negociações internacionais, mas cada vez mais ela tem muita responsabilidade na implementação de políticas. Então, por exemplo, em Joannesburgo nós fizemos um movimento para a criação de uma rede mundial de governos regionais em torno do desenvolvimento sustentável, para reivindicar um espaço nas Nações Unidas específico para esse nível de governo, que é subnacional, e que não é dos governos nacionais. Eu penso que, na escala local, o grande desafio para a sustentabilidade é a relação entre política ambiental e planejamento urbano, uso do solo, planejamento territorial. Na escala estadual e mais ainda na escala nacional o grande desafio é a interface com o desenvolvimento econômico e a infraestrutura.

O exemplo do Rio Grande do Sul

- Eu acho que no RS a experiência que tivemos no atual governo mostrou que é possível avançar progressivamente no sentido de uma agenda mais propositiva que irradie o tema ambiental por todas as pastas de governo. Nos tivemos várias interfaces muito importantes em áreas que tradicionalmente são áreas de conflito, como a área de energia, por exemplo, onde a gente fez o Atlas Eólico, a gente fez as centrais de energia da biomassa, na agricultura - a Agroecologia -, enfim, várias interfaces que não são de execução direta do setor ambiental, mas que tem muita incidência nas macropolíticas. Isso faz parte desse conceito que eu te falei, que a gente colocou como desafio que o setor ambiental tivesse um outro tipo de postura mais propositiva, eu não tenho a menor dúvida de dizer que, senão fosse a criação da SEMA – Secretaria Estadual de Meio Ambiente e nós termos assumido esse papel protagônico dentro do governo, nós teríamos avançado muito menos nessas áreas. Então nós tivemos uma diminuição grande dos conflitos internos, entre meio ambiente e desenvolvimento econômico no RS e, por incrível que possa parecer, o nível de conflito no setor ambiental aqui no Estado com a sociedade também diminuiu muito, principalmente com os segmentos empresariais. Se você for analisar, trata-se de um governo mais rigoroso e com menos conflito, porque é um governo de mais diálogo.

O avanço da sociedade civil com relação ao problema ambiental

- O que para mim é positivo, é que no último período nós tivemos um crescimento significativo da consciência média da população em relação as questões ambientais; e não apenas isso, nós tivemos uma diversificação dos atores. Um tema que estava restrito às ONGs e que hoje mobiliza todos os segmentos da sociedade no Brasil. E essa mobilização tem levado as pessoas a quererem desenvolver ações práticas para melhorar o meio ambiente e isso é muito bom. O Governo deve fazer parcerias com a sociedade e dar os elementos para que isso ocorra.

A alienação do Governo Federal com relação aos problemas regionais e o novo Governo Lula

- Eu acho que o Governo do Lula vai ter, em todas as áreas, mas na ambiental principalmente, uma grande diferença nisso porque nós temos uma experiência muito grande na gestão municipal e na gestão nos Estados, e isso nos dá uma outra dimensão, tendo passado por esse tipo de gestão. Porque, de fato, a tecnocracia de Brasília tem uma visão de mundo que muitas vezes não bate com a realidade. Várias instituições independentes fizeram uma avaliação dos programas ambientais dos candidatos à presidência. De longe o programa que o Presidente Lula apresentou é o mais completo. Ele reflete a experiência que temos nesta área, uma construção já de muito tempo, que é um acúmulo na gestão pública e é um acúmulo também na sociedade civil, em que as principais lideranças ambientalistas no Brasil estão articuladas dentro do PT. E eu acho que é esse acúmulo que nos fez chegar a um programa que é bastante razoável. Não é um programa acabado no detalhe porque optamos por não ir tanto no detalhe, mas ele não deixa nenhuma grande questão de fora em termos ambientais.

Cláudio Langone é Secretário Estadual do Meio Ambiente do Estado do Rio Grande do Sul e Presidente da Abema (Associação Brasileira de Entidades Estaduais de Meio Ambiente).

*Economia e Meio Ambiente

Economia e Meio Ambiente - Entrevista com Hugo Penteado


"Estamos agindo como os habitantes da Ilha de Páscoa, a única diferença é que eles cortaram a última árvore e perderam o solo e a comida numa ilha. Nós estamos fazendo isso globalmente."

Em entrevista para este boletim, o autor do livro ‘Ecoeconomia – Uma nova abordagem’, Hugo Penteado, fala sobre o modelo econômico vigente e sua relação com o meio ambiente, comentando a teoria econômica e seus mitos. Mais que tudo, Hugo mostra que não adianta apenas substituir nossas tecnologias de produção, o que precisamos substituir fundamentalmente é nossa maneira de vida, eliminando hábitos e comportamentos oriundos de um sistema que nada mais fez senão nos proporcionar miséria, frustração, saturação e infelicidade, e que segue nos conduzindo cada vez mais rápido para a destruição. A questão é: quanto ainda vai nos custar continuarmos vestindo um modelo que não se ajusta aos nossos pés?

IBPS: Qual seu pensamento sobre a relação economia - produção - meio ambiente, ou - como você refere no livro, a relação “agentes econômicos, seus sistemas econômicos e a natureza”?

HUGO PENTEADO: Os economistas agem como se a natureza não fosse uma variável relevante. Todos os textos que abordam o tema desmistificam a preocupação com a questão ambiental, com a restrição ao crescimento de um planeta finito e pior, chegam a ponto de abraçar trabalhos “estatísticos” (sobre os quais a dúvida deveria ser maior que a certeza) que declaram ser o aquecimento global um não evento para as economias. Essa certeza dos economistas é assustadora. A teoria econômica, independentemente de sua corrente, possui três mitos:

1) Mito Mecanicista: Os processos econômicos são explicados com as leis da mecânica e por essas leis o sistema econômico é considerado neutro para o meio ambiente. Todos os processos econômicos mecanicistas são reversíveis, previsíveis e incapazes de gerar mudanças qualitativas no sistema. Ou seja, podemos passar um trator na Amazônia, basta dar marcha-ré que nada aconteceu. Essa crença não só é inútil, bem como por uma série de perguntas sem resposta, os economistas que derivaram suas teorias da mecânica, não foram capazes de adaptá-las para o avanço da Física que mudou a forma com nós vemos a realidade. Na verdade, os processos físicos econômicos geram mudanças qualitativas definitivas no sistema. Está na hora de reconhecer isso, pois são esses processos que estão por trás da destruição acelerada dos ecossistemas e da maior extinção da vida na Terra dos últimos 65 milhões de anos.

2) Mito Tecnológico: Embora a tecnologia dependa de outras ciências que não a Economia, os economistas utilizam os avanços tecnológicos para concluir que o meio ambiente é inesgotável. Os ganhos de eficiência são risíveis quando comparamos com o tamanho da escala produtiva atual, pela qual em um ano produzimos mais que em 100 anos e não paramos de crescer esses fluxos, ignorando veementemente os estoques acumulativos de bens, serviços e pessoas sobre a Terra. Se reduzirmos bastante o consumo dos recursos naturais por unidade de produto, ao multiplicar pelo total do produto vamos ver como o consumo absoluto dos recursos cresceu exponencialmente, causando devastação global. Estamos agindo como os habitantes da Ilha de Páscoa, a única diferença é que eles cortaram a última árvore e perderam o solo e a comida numa ilha. Nós estamos fazendo isso globalmente.

3) Mito Neoliberal: Se os dois primeiros mitos tornam possível acreditar no crescimento eterno de estruturas materiais e populações, o terceiro mito justifica esse objetivo. Crescer por crescer não tem apelo algum, mas dizer que só o crescimento produz benesses sociais acaba justificando todas as tragédias que estamos produzindo. É um cego guiando outro cego, pois não existe a menor relação entre crescimento econômico e desenvolvimento, como não existe a menor relação entre crescimento econômico e bem estar ou geração de empregos. Está na hora de parar de acreditar nas estatísticas e encarar as conseqüências inequívocas do crescimento: concentração de riqueza, destruição dos empregos e da natureza. A concentração de riqueza, que hoje no mundo todo está historicamente elevada, também impede que boas decisões políticas sejam tomadas. Os mitos fazem com que os economistas só analisem a economia em termos de fluxos e taxas percentuais, não olham o consumo absoluto, o estoque das estruturas, como casas e carros, nem o impacto ambiental dessa acumulação. Também não olham o crescimento populacional contínuo, de mais 200.000 pessoas vivendo na Terra por dia, olham só a taxa de crescimento percentual da população. Está em queda comemoram. O mesmo vale para o crescimento do PIB. Os mitos fazem a gente olhar para o que menos interessa. E sem nos preocuparmos com os reais impactos para a sociedade e a questão ambiental seríssima que estamos vivendo. Um dia, ninguém sabe quando, esse pesadelo terá um custo muito alto e para todos, sem exceção.

IBPS: De 1992 para cá, as questões ambientais vêm caminhando a passos muito lentos, muito pouca coisa pode ser vista na prática daquilo que foi decidido e acertado na tentativa de reverter o grave quadro da problemática ambiental. Sem considerar as dificuldades oriundas das deficiências do nosso sistema econômico e político, o quê, na sua visão, está sendo o maior entrave para a evolução das iniciativas ambientais?

HP: Existem vários entraves para as iniciativas ambientais. O primeiro deles está na teoria econômica incapaz de reconhecer o problema, pois parte do princípio irreal que o sistema econômico é neutro para o meio ambiente e o meio ambiente é inesgotável. O segundo entrave está na falta da evidência de um colapso ambiental definitivo. O argumento dos céticos é que podemos ser ricos como os Estados Unidos, afinal, trata-se de um país rico e limpo. Em primeiro lugar os países ricos como os Estados Unidos e a Europa não são limpos. De acordo com a agência ambiental norte-americana metade dos rios, lagos e zonas estuárias daquele país estão contaminados (com mercúrio, entre outras coisas) e poluídos. Sem falar na questão da destruição de florestas: eles destruíram a quase totalidade das suas florestas. Criaram processos industriais que agrediram o meio ambiente e a sociedade de forma brutal. Mas vamos esquecer isso, vamos fazer de conta que é verdade que os Estados Unidos são um país limpo e ambientalmente equilibrado. Se isso é verdade, podemos fechar todos os portos dos Estados Unidos para os recursos da natureza que ele importa e nada acontecerá. Na verdade, os Estados Unidos não vivem um colapso ambiental e a China idem, por causa do comércio global. Os habitantes dessa ‘Ilha de Páscoa maior’ estão sendo capazes de, após derrubar a última árvore, continuar derrubando a de outros países. O comércio global, que não dá a menor importância para custos ambientais e sociais, é um mecanismo que impede que países grandes sugadores de recursos da Terra entrem em colapso. Esses países, ao importarem produtos do Brasil, exportam para cá a sua própria insustentabilidade ambiental, e os economistas comemoram com os dólares dessas exportações, que geram pouquíssimos empregos e pouco resultado social, além de devastar nosso meio ambiente. Nada está sendo cobrado por transformar de forma crescente a floresta Amazônica em uma monocultura. Na verdade isso é aplaudido pelos economistas e pelos mercados financeiros. O mais assustador é que a partir de um determinado ponto a floresta irá se destruir sozinha, automaticamente, e sem a floresta a região sudeste do Brasil, onde estamos, ficará sem água. Ou seja, estamos indo imprudentemente até o limite desse sistema surrealista e isso é, como eu disse, comemorado.

Finalmente, os economistas estão convencidos em não se preocupar com o meio ambiente, como se não precisássemos dele para nada, por três motivos: restrição ao fluxo migratório de populações (os Estados Unidos jamais aceitariam receber 60 milhões de brasileiros miseráveis), comércio global (o que eu não tenho mais no meio ambiente, importo devastando outras regiões) e pobreza mundial (dois terços da humanidade vivem em miséria ou pobreza absoluta, qualquer elevação no seu padrão material colocará em xeque a crença infantil dos economistas sobre a inesgotabilidade do planeta).

IBPS: No seu entendimento, segundo consta no livro, de nada adiantará adotar tecnologias ecoeficientes, métodos de reaproveitamento das matérias-primas, entre outras alternativas, se não houver, junto a isso, uma mudança total de valores, hábitos, padrões e costumes. Nesse contexto, a produção mais limpa não representa uma ferramenta fundamental para a educação e principalmente para a implementação de uma cultura de racionalização?

HP: A ecoeficiência faz uso dos mesmos mitos da teoria econômica tradicional, não reconhecendo limites nem os erros do atual sistema. É um ajuste nos sistemas de produção e consumo, com vistas a aumentar os lucros, ou seja, é visto como oportunidade de ganhos e não de revisão dos erros atuais. Trocando em palavras, o limite para produzir carros ecoeficientes ou não sempre existirá, não vou poder produzir três trilhões de carros só porque eles são ecoeficientes, isso é um absurdo, imaginar que temos que fazer crescer a produção de todos os bens sem esbarrar em limites. Um carro produzido não irá para a copa de uma árvore, requer asfaltamento da terra, que deixa de ser um reservatório de biodiversidade, deixa de ser usada para agricultura. Num espaço finito como a Terra, o uso para uma determinada finalidade é concorrencial com os demais usos. Esse erro é assustador, para dizer o mínimo. No entanto, apesar da ecoeficiência ser um arremate de uma teoria totalmente equivocada e apesar dela não ser suficiente para resolver o problema, pelo menos da forma como precisamos para conciliar a nossa sobrevivência econômica com a da nossa espécie animal, ela mesmo assim é fundamental e deve ser perseguida a todo custo. É uma questão de lógica: se ela não é suficiente, ela é então ainda mais importante, por ser educativa, por dar mais tempo para reconhecermos os absurdos do sistema atual.

IBPS: Gostaria que você comentasse o capítulo 6 do seu livro, intitulado ‘Ecoeconomia como visão alternativa’

HP: A Ecoeconomia parte de uma revisão total dos valores vigentes, não apenas econômicos, mas humanos. Nós temos que entender que fazermos parte de um corpo imortal chamado espécie humana e que esse corpo depende de uma série de elos com a natureza, sem os quais, irá perecer. Uma vez entendido que se trata de um corpo imortal, cujas ações repercutirão sobre as gerações futuras, precisamos remodelar nosso sistema de valores em busca do equilíbrio. O atual consumismo exacerbado em cima de um sistema do tipo extrai-produz-descarta precisa ser abolido das nossas vidas. Ele não é capaz de atender as demandas sociais gerando empregos e só está produzindo uma concentração de riqueza extrema, além da destruição perigosa da natureza. Esse fluxo linear econômico tem que ser substituído por um fluxo circular ecoeconômico, onde iremos mimetizar os mesmos mecanismos regenerativos da natureza. Ao invés de privilegiarmos o uso de recursos naturais finitos, como fertilizantes agrícolas, petróleo, metais, iremos privilegiar o uso de recursos renováveis, embora dois desses recursos são e sempre serão finitos: solo e água. Ao invés de privilegiarmos atividades extrativistas ou mineradoras, iremos adotar reciclagem, reutilização, redução do consumo material. Ao invés de darmos valor apenas para o tangível, como bens, iremos preferir serviços ou os intangíveis. Ao invés de usarmos as tecnologias para impactar mais o meio ambiente, iremos usá-las para desmaterializar o mundo, reduzindo consumo de papel por arquivos eletrônicos, reduzindo viagens por videoconferências, trocando escritórios por trabalhar em casa. Ao invés de transporte particular, iremos optar por vias públicas arborizadas sem carros e por transportes coletivos. Iremos cortar os excessos materiais na busca dos elos intangíveis. Por enquanto, os economistas só dão valor para uma árvore quando ela está derrubada no chão, quando ela vira uma tora. Se só uma tora tem valor, o que estamos esperando para destruir de uma vez a Amazônia? Está na hora do PIB capturar o valor dos estoques da natureza e descontar a exaustão dos recursos, está na hora de países importadores de recursos naturais começarem a considerar isso um passivo e não um ativo barato, ofertado infinitamente por países produtores como o Brasil e a custo sócioambiental zero. Além de todos esses ajustes no fluxo de consumo e produção e na nossa relação pessoal com os bens, com a matéria, com as pessoas, precisamos encarar a necessidade de viver em cima de estoques e não em cima de fluxos. O PIB é um fluxo submetido a um crescimento exponencial infinito, os economistas sequer olham os estoques e ano a ano adicionamos a esses estoques milhões e milhões de carros e casas, entre mil outras coisas, ocupando espaços que, uma vez degradados, deixam de reciclar o ar que respiramos, a água que bebemos, a biodiversidade e todos os serviços da natureza sem os quais não iremos sobreviver. Mudar o fluxo de consumo e produção, desmaterializando; redimensionar a economia, dar valor aos intangíveis, como medicina preventiva, e reconhecer limites vivendo dos estoques será o único caminho possível para a humanidade. E redistribuição de riqueza, fundamental, esse assunto tabu já foi extensamente discutido pela teoria neoliberal que é supostamente seguida por economistas sábios, que ignoram que foram os liberais clássicos que deram a formulação teórica do imposto sobre grandes fortunas. A história mostra que uma enorme concentração de riqueza, como a que estamos vivendo mundialmente hoje, é geralmente seguida de uma distribuição forçada. Ninguém tem interesse num colapso desses, nem os mais ricos, posto que todos nós fazemos parte de uma sociedade e tudo que temos deve-se a ela.

IBPS: Partindo da idéia de que nossa economia é escrava dos países ricos, o que você acha que seria necessário, no ponto que estamos , para que o sistema econômico brasileiro pudesse criar sua identidade própria, deixando de seguir padrões de nações desenvolvidas?

HP: Não acredito que a nossa economia seja escrava dos países ricos, pelo menos no sentido econômico, pois eu os vejo mais tirando da gente do que dando recursos, mesmo se eu quisesse ignorar a questão ambiental. A nossa economia e a de muitos países é escrava de uma ideologia que tem produzido resultados socioambientais assustadores, para dizer o mínimo, e que por ser uma ideologia, não é sequer questionada pelos intelectuais de plantão. Por exemplo, o México após entrar no NAFTA passou por uma estupenda dinamização da sua corrente de comércio, no entanto, o emprego absoluto desse país caiu após o acordo. A questão ambiental nem se fale. A ideologia dominante prega que a liberdade total aos indivíduos produz o máximo de bem estar social com o mínimo de esforço dos governos. No entanto, de acordo com os clássicos, isso é verdadeiro se e somente se todas as pessoas forem iguais. O mau uso dessa teoria é um outro erro, e por causa desse erro hoje nos Estados Unidos 1% da população detêm 73% das riquezas, de acordo com Kevin Philips, em seu livro ‘Wealth and Democracy’. A concentração de riqueza destroça a democracia, impede que os políticos trabalhem para mudar a matriz energética, para manter o sistema de saúde operante, para construir cisternas ao invés de transpor rios, e por aí vai. O Brasil precisa romper com o modelo econômico e salvar a sua natureza, cobrando pelo seu uso aqui dentro e fora e extraindo dela resultados socioambientais realmente sustentáveis. Essa adoração pelas exportações é injustificável, pois além de destroçar elos ambientais que irão afetar dezenas de milhões de brasileiros, não estão gerando resultados em criação de empregos de forma significativa. Pior ainda, qualquer virada na demanda externa e todos os parcos empregos do setor agro-exportador irão desaparecer, não estamos falando de empregabilidade permanente ou de solução de trabalho permanente em quase nenhuma esfera da economia, simplesmente porque a maior parte da força de trabalho que continuou empregada, apesar da tecnologia, está ligada a forças econômicas globais e não locais. Não se trata de explorar e estimular a criatividade individual, nem os negócios locais ou a economia local, e sim submeter todos a uma tirania da ideologia global, que nada tem trazido de benefício para ninguém, exceto a miséria, a submissão e o medo.

IBPS: Muitas vezes é através do caos que se encontra a possibilidade de uma nova ordem. Você acredita que este pensamento poderá servir para a questão ambiental?

HP: O caos que estamos falando pode ser definitivo. Eu acredito que já estamos vivendo o caos social e ambiental e só não o estamos enxergando, por uma manipulação total das nossas mentes. Se estivermos falando de um caos maior, talvez nada mais possa emergir daí, como na Ilha de Páscoa, com uma única diferença, agora a questão é global, sem necessariamente ter uma solução de continuidade. O caos já foi instaurado, nas cidades, na agricultura, no clima, nas guerras, na miséria humana. Está na hora de reconhecer a falência do sistema e tentar corrigir as suas mazelas. A solução passa por uma mão menos invisível dos governos, por uma regra tributária amigável ao meio ambiente, por um estímulo aos pequenos empresários, comerciantes, pela educação e desenvolvimento das aptidões individuais, por uma reformulação do ensino e das nossas mentes cuja palavra de ordem é crescer e enriquecer, embora isso não faça o menor sentido do ponto de vista coletivo. A questão ambiental faz parte de 100% das nossas vidas, embora cada um de nós a ignora também durante 100% das nossas vidas. É uma crise de valores, que já foi coroada com vários eventos extraordinariamente ruins, como a guerra do Iraque, por exemplo. Se essa crise vai ser coroada com uma mudança geral de atitude ou se vamos caminhar para o colapso, é algo que ainda não sabemos.

Hugo Ferraz Penteado é Economista-Chefe e Estrategista do ABN AMRO Asset Management desde 1998 e autor da obra “Ecoeconomia – Uma nova abordagem”. É pós-graduado em Economia pela Universidade de São Paulo (USP) e mestre em Economia pelo Instituto de Pesquisas Econômicas da Universidade de São Paulo (IPE/USP). Atualmente, está se preparando para prestar doutorado em Economia, voltado para a análise das teorias de desenvolvimento ambientalmente sustentáveis.



Datado: 18/10/2005
Fonte: IBPS

*Cuidados com o Meio Ambiente estimulam a economia

Uma das maiores críticas à adoção de medidas que visam a redução do aquecimento global vem daqueles que acreditam que tais medidas atrapalhariam o crescimento econômico. A idéia por trás desse argumento é que se trata de ações restritivas sobre as empresas, o que causaria desemprego e queda na taxa de crescimento da economia.

Agora, um estudo feito em conjunto por dezenas de especialistas, na Universidade da Califórnia, Estados Unidos, mostra justamente o contrário. O estado da Califórnia possui uma das mais rigorosas legislações sobre o meio-ambiente, que pretendem, entre outros, chegar ao ano de 2020 com os mesmos níveis de emissão de gases que causam o efeito estufa apresentados no ano de 1990.

Embora tenha sido feito para a situação específica do estado da Califórnia, o estudo é altamente relevante, já que aquele é um dos estados mais avançados dos Estados Unidos e, sozinho, teve um produto interno bruto de US$1,5 trilhão de dólares em 2004, cerca de três vezes o PIB de todo o Brasil.

"Nosso estudo mostrou que a adoção de medidas para a redução do aquecimento global na Califórnia é bom para a economia da Califórnia," disse o economista Michael Hanemann da Universidade de Berkeley e um dos autores da pesquisa.

Os cientistas concluíram que a economia do estado terá um acréscimo de 20.000 empregos e um crescimento do produto interno bruto de US$60 bilhões. Isso apenas como resultado direto das medidas de redução da emissão de gases poluentes. Sem contar que, no atual estágio, eles analisaram apenas oito das medidas adotadas pelo governo.

"As estratégias de proteção climáticas beneficiam economicamente a Califórnia porque a inovação e a eficiência diminiuem custos para seus consumidores, que redirecionam seus gastos de forma a estimular o crescimento do emprego," explica David Roland-Holst, outro participante do estudo.

*Quilombola

A questão quilombola é discutida no 30º Encontro da Anpocs

NEAD discute gênero, territórios quilombolas e disponibilização de pesquisas sobre desenvolvimento rural no 30º Encontro da Anpocs

1 de novembro de 2006

O número de pesquisas sobre desenvolvimento rural, em particular sobre comunidades quilombolas e a mulher trabalhadora rural, vem aumentando significativamente. É o que mostraram as mesas “Conhecimentos tradicionais e territorialização no contexto das comunidades remanescentes de quilombos no Brasil” e “Elementos da produção acadêmica sobre estudos rurais e gênero: a experiência do Prêmio Margarida Alves de Estudos Rurais e Gênero”, realizadas no 30º Encontro da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (Anpocs). As atividades foram promovidas em conjunto pelo Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural (NEAD) e o Programa de Promoção da Igualdade de Gênero, Raça e Etnia (Ppigre) do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA).

A partir da conceitualização, do contexto nacional e da análise dos procedimentos legais que instrumentalizam a ação do Estado brasileiro sobre as comunidades quilombolas, a mesa-redonda sobre territórios quilombolas debateu os conhecimentos tradicionais associados à produção, bem como a experiência do governo federal de apoio a estas iniciativas e suas interfaces com o território.

Renata Leite, representante do Ppigre e coordenadora da mesa, apontou a temática da territorialidade, e a ampliação dos estudos sobre quilombolas. “Eles vêm se estendendo para diversas áreas do conhecimento. Além da Antropologia, há crescimento de estudos na Graduação e em áreas como História, Geografia, Agronomia e Direito”, disse. O 2o Plano Nacional de Reforma Agrária (PNRA), de 2003, e as ações de assistência técnica do MDA, também foram destacados por Renata.

O Decreto nº 4.887, de 20 de novembro de 2003, atribuiu ao MDA, por meio do Incra, a implementação das ações de regularização fundiária dos quilombolas e garantiu a possibilidade de desapropriação de áreas particulares para esse fim. Pela primeira vez na história do nosso país, essas ações foram incorporadas ao PNRA, garantindo um processo participativo e gestão específica para essas comunidades. O Ppigre coordena, em conjunto com o Incra, a implementação de uma política de regularização fundiária que garanta o direito de uso e posse, bem como o acesso aos instrumentos de política pública que favoreçam a permanência dos quilombolas na terra.

A trajetória do movimento negro e da organização de pessoas remanescentes de quilombos em torno de associações foi lembrada por Ronaldo dos Santos, presidente da Associação de Comunidades Quilombolas do Rio de Janeiro. Segundo ele, o movimento ganhou força após a Constituição de 1988, que reconhecia o direito à terra por parte dos remanescentes de quilombos. “O primeiro encontro nacional das comunidades quilombolas aconteceu em 1995, quando foi celebrada a data de 300 anos de Zumbi, com a participação de representantes de 14 estados. Foi um período de grande mobilização e o governo foi obrigado a nos dar uma resposta efetiva. Assim, foi titulada a primeira comunidade quilombola”, conta. O segundo encontro nacional ocorreu em 2000, com a participação de 18 estados e, em 2003, foi realizado o terceiro encontro, que registrou o aumento da presença para 22 estados brasileiros.

Os processos de territorialização de quilombos foram apresentados pelo pesquisador José Augusto Laranjeiras Sampaio, da Universidade Estadual da Bahia. “As comunidades quilombolas têm, o tempo todo, que defender suas fronteiras frente à expansão de outros interesses, como o agronegócio, a mineração e atividades turísticas, por exemplo”. Segundo Sampaio, o papel do Estado de atuar jurídica e administrativamente para assegurar os limites territoriais das comunidades entra em conflito, às vezes, com suas próprias ações, como as relacionadas ao turismo e ao crescimento do agronegócio.

*Leonardo Boff

Biografia

Leonardo Boff ingressou na Ordem dos Frades Menores em 1959. Em 1970, doutorou-se em Filosofia e Teologia na UniversidaLde de Munique, Alemanha. Ao retornar ao Brasil, ajudou a consolidar a Teologia da Libertação no país. Lecionou Teologia Sistemática e Ecumênica no Instituto Teológico Franciscano em Petrópolis (RJ) durante 22 anos. Foi editor das revistas Concilium (1970-1995) (Revista Internacional de Teologia}, Revista de Cultura Vozes (1984-1992) e Revista Eclesiástica Brasileira (1970-1984).

Seus questionamentos a respeito da hierarquia da Igreja, expressos no livro Igreja, Carisma e Poder, renderam-lhe um processo junto à Congregação para a Doutrina da Fé, então sob a direção de Joseph Ratzinger, hoje Papa Bento XVI. Em 1985, foi condenado a um ano de “silêncio obsequioso”, perdendo sua cátedra e suas funções editoriais no interior da Igreja Católica. Em 1986, recuperou algumas funções, mas sempre sob severa vigilância. Em 1992, ante nova ameaça de punição, desligou-se da Ordem Franciscana e do sacerdócio. Participa da Igreja enquanto militante leigo. Continua seu trabalho de teólogo nos campos da Ética, Ecologia e da Espiritualidade, além de assessorar movimentos sociais como o MST e as Comunidades Eclesiais de Base (CEBs). Trabalha também no campo do ecumenismo.

Foi professor de Teologia e Espiritualidade em vários institutos do Brasil e exterior. Como professor visitante, lecionou nas seguintes instituições: de Universidade de Lisboa (Portugal), Universidade de Salamanca (Espanha), Universidade Harvard (EUA), Universidade de Basel (Suíça) e Universidade de Heidelberg (Alemanha). É doutor honoris causa em Política pela universidade de Turim, na Itália, em Teologia pela universidade de Lund na Suécia e nas Faculdades EST – Escola Superior de Teologia em São Leopoldo (Rio Grande do Sul).

Sua produção literária e teológica é superior a 60 livros, entre eles o best-seller A Águia e a Galinha. A maioria de suas obras foram publicadas no exterior.

Boff é professor adjunto de Ética, Filosofia da Religião e Ecologia na Universidade do Rio de Janeiro (UERJ), onde se aposentou e viaja o Brasil dando palestras sobre os temas abordados em seus livros. Vive em Petrópolis (RJ) com a educadora Márcia Miranda.

Prêmios

  • Prêmio conferido a Jésus Christ Libérateur. Paris, Du Cerf, como livro religioso do ano na França (1974)
  • Prêmio conferido a The Lord's Prayer. Quezon City, como livro religioso do ano nas Filipinas (1984)
  • Herbert Haag Preis Freiheit in der Kirche, prêmio pela liberdade na Igreja, de Luzern,Suíça (1985)
  • Prêmio conferido a Passion of Christ, Passion of the World New York, Orbis Books, como livro religioso do ano nos USA (1987)
  • Prêmio Internacional Alfonso Comin, concedido pela fundação Alfonso Comin e pela prefeitura de Barcelona, por seu trabalho comunitário e em prol dos direitos dos empobrecidos e marginalizados (1987)
  • Prêmio dos editores de livros religiosos em idioma alemão pelo conjunto de sua obra traduzida para o alemão em Frankfurt (1988)
  • Prêmio Thomas Morus Medaille der Thomas Morus Gesellschaft pela firmeza da consciência (Standfestigkeit des Gewissens) (1992)
  • Prêmio Nacional de Direitos Humanos (1992)
  • Prêmio Sergio Buarque de Holanda (Biblioteca Nacional - Ministério da Cultura), para a obra Ecologia: grito da Terra, grito dos pobres. S.Paulo, Ed. Atica, como ensaio social do ano (1994)
  • Prêmio Right Livelihood (Correto Modo de Vida), conhecido como o Nobel alternativo, Estocolmo, Suécia (2001).
  • Doutor Honoris Causa da Escola Superior de Teologia, instituição da Igreja Luterana, em pelo seu compromisso ecumênico a partir do diálogo com a teologia protestante e à reflexão entre teologia e ecologia (2008).